Un Giardin sul Balcon

"Non ghe xe erba che la varda in sù che non la gabbia la so virtù" (da tradição vêneta)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Oração do Milho

E pensando em escravos, em comida pobre e nos confortos que ela evoca, lembrei desse poema que muito já me emocionou, escrito por uma cozinheira como eu, a grande, a imensa, a eterna Cora Coralina:

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor.
Mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.

Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo.
De mim, não se faz o pão alvo, universal.
O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares.

Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre.
Alimento de rústicos e animais do jugo.
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.

Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.


Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde.


Sou o milho.

To my non-Portuguese readers, this is a free translation of a poem by a most cherished Brazilian poet and cook, Cora Coralina:

I am the humble plant from small backyards and poor crops
My seed, lost by chance, sprouts and grows on the wasteland
I stem and branch by Your grace, Lord
Even when lonesome, fortuitous, I grow ears and return, in many grains, the initial one,
Miraculously saved, Earth-fertilizer.

I am the quintessential greenery to the plantation
I lack the traditional hierarchy of the wheat
From me, comes not the imaculated bread
I was not hallowed Source of Life and no place was given to me in holy altars

I am just the strong, substantial meal for those who work the land which noble wheat does not favor
I have unknown origins and a meager genealogy
Food for peasants and for work beasts
I was the heavy and constant porridge of the slave shattered by the fields
I am the rough and modest loaf to the small farmer
I am the inexpensive flour of the proletarian
I am the polenta to the immigrant and the miga of who starts life in foreign lands

I am the careless, bountiful plenty in the barns
I am the well-filled manger to the ruminating cattle
I am the festive song of the roosters in the glory of a breaking dawn
I am the joyous clucking of a hen around its nest

I am the vegetable poverty, thankful to You, Lord, who made me humble and useful.

I am the maize.

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