Dia desses, perguntaram-me quando nasceu meu interesse por ervas. Foi aqui, no preparo desta especialidade regional: o galeto. Minha avó apanhava na horta a combinação exata: manjerona, alfazema, sálvia, orégano, alecrim. Misturava alho, sal e pimenta e fazia uma pasta. Com ela, esfregava cada coxa e sobrecoxa, enfiava um tanto sob a pele, furava a carne com garfo, deixava marinar noite adentro em vinho branco com um toque de vinagre.
Anos mais tarde, entendi que o costume da minha família descendia das misturas de ervas que são comuns às cozinhas do norte da Itália. Aqui no Brasil, conhecemos bem a receita da Ligúria, o pesto alla genovese (pestato significa moído, esmagado). Com meus professores piemonteses, aprendi o bagnet verd, que mistura salsa, azeite, alho e miolo de pão. Na Lombardia, é a Gremolata, de salsa, limão, alho e sal que acompanha as carnes. No Friuli, os savôrs ou o pestat são as misturas de base que flavorizam carnes, sopas, omeletes e massas. Claro que, sendo tradições oralmente transmitidas, as receitas variam ad infinitum. Os savôrs são ervas espontâneas, que variam conforme a estação, picadas e conservadas em azeite com uma ponta de alho e anchovas. O pestat leva banha suína, como o da foto acima, coisa blásfema para as atuais sucetibilidades dietéticas.
No dia seguinte, em geral um domingo de sol, o galeto passava ao domínio masculino, da cozinha das mulheres, dentro de casa, para a cozinha masculina, externa, quase um objeto de culto, a churrasqueira. Engraçado como o Gusta, fã dos churrascos de costela com arroz, salada de batata e feijão mexido, foi se aculturando sem eu notar. Quando vi, ele já dominava o ritual de espetar, intercalando fatias de bacon para evitar o ressecamento, já esparzia o caldo da marinada sobre o assado, já sabia o ponto certo de servir, nunca cru, sempre bem passado, com a pele tostada e crocante, já comia faceiro o tal galeto com salada de ervas amargas e pão. Ontem, comecei a pensar nesse mimetismo dele e conclui que as receitas de família são memes, ideias com vida própria, capazes de nos contagiar só para garantir sua preservação. E ali estávamos nós, almoçando (bem) e nos comportando como neurônios num circuito, propagando inconscientemente uma consciência que nos sobrepuja e apenas nos transpassa...
Puxa, que bacana...Deve ser uma delícia esse seu galeto, me convida para experimentar num próximo churrasco de família!! Bjus!
ResponderExcluirClaro! E por que não? Tu viste quantos espetos nós assamos para duas pessoas? Heheheh...
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