Un Giardin sul Balcon

"Non ghe xe erba che la varda in sù che non la gabbia la so virtù" (da tradição vêneta)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Arcabouço da Beleza


 "Raramente vemos o arcabouço de dor que se encerra no verde de um dia de verão." J.A. Baker

O olhar ocasional sobre um jardim não é capaz de penetrar o coração de tanta beleza. Vê-se o verde, veem-se flores, frutos e vigor, gotas sobre a pele lustra da folha, galhadas. A verdade é que a jardinagem é uma guerra marcada por mutilações, eugenia, morte e envenenamento e que a vida não avança sem ferocidade, sem um tanto de feiúra nada idílica.

O bok-choy (Brassica rapa chinensis) da primeira foto rebrotou da raiz de outro pé, cultivado em hidroponia, comprado no super, guardado durante dias numa geladeira. Vejam o enredo: um ser verde submetido a todas as distorções possíveis em seu ciclo de vida renasce na terra bruta e até floresce. Chegam as lagartas, roendo a esmo as folhas, e hordas de ácaros que o impedem de respirar. Vem a mão humana outra vez, desta vez catando as pragas, lavando, passando substâncias fétidas que matam e afastam os insetos. Um jardineiro é um assassino de insetos (inclusive de borboletas) e um ladrão (quem sabe um Robin-Hood) de segredos corporativos - quase um espião, surrupiando aqui e ali, sem descanso, a semente, o ramo, a raiz, a muda.


Não se iludam. O fruto gracioso só vinga diante da morte de centenas de moscas brancas. E amadurece guardado por fios grudentos, armadilhas sanguinolentas, em que o predador morre torturado, de fome, olhando o alimento. O tomate parricida mata a sangue frio o tomateiro se a água for pouca.


Mas a natureza oferece de graça a lição da dialética: não há vida sem morte, nem beleza sem ferocidade. Não há corpo sem vácuo, nem ordem sem caos. Na simetria milagrosa da folha da uvaia, mora a memória do fruto podre do qual salvei a semente. As cores impressionistas das centáureas que hoje vicejam evocam as centenas de mudinhas que perdi para as pragas, para as torrentes de outono, para o sol inclemente que traz a vida enquanto a leva embora. O conflito é parte inerente do caminho. Não há nada fatalista nesse pensamento, apenas uma leve frustração para minha mente preguiçosa, que insiste em buscar realidades unidimensionais sobre as quais repousar. 

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