Un Giardin sul Balcon

"Non ghe xe erba che la varda in sù che non la gabbia la so virtù" (da tradição vêneta)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Cores

A comida do chef Giovanni borra os limites entre comer com as mãos e pintar com os dedos. As cores da horta estão todas aqui, parafraseando Wislawa Szymborska, como pequenos milagres cotidianos, e ainda assim, tão surpreendentes:

Aqui em cima, olhem os sucos de pimentão vermelho e amarelo. Embaixo, olhem que lindo traço de suco de agrião:
Essa sopa de ervilha tem consistência e cor lúdicas, tão vivas que parecem perfeitas demais para serem naturais:
Coexistem vários níveis de fascínio aqui: uma estética minimalista aplicada a receitas clássicas, uma técnica precisa no manuseio das verduras, que assumem o posto de estrela principal, uma complexidade harmônica de experiências visuais e táteis que é quase um manifesto artístico. Enchi meu carrinho de ideias e estou louca para experimentar um milhão de coisas no meu laboratório, ops, cozinha.

O poema que li hoje me fez pensar nos milagres que a gente desapercebe por descuido, porque a ansiedade ou qualquer bobagem urgente gritam mais alto e terminam por nos distrair. É fácil deixar que as convenções ou modas obliterem os sentidos e nos roubem a clareza do pensamento. O caos é fácil, é uma força de inércia, ao passo que a ordem, tão ínfima no universo, é uma coisa árdua e já meio desaparecida, como a ourivesaria. Urge calar a tagarelice interna de um falível cozinheiro humano, pois ela encobre a voz sutil do vegetal. Cozinhar é, antes de tudo, ouvir o silêncio do ingrediente. A casa da beleza é a ausência de uma ação supérflua.


Deixo aqui minha humilde tradução do poema de Szymborska, nobel de literatura, que li hoje:

Feira dos Milagres

Um milagre corriqueiro:
Que haja tantos milagres corriqueiros.

Um milagre habitual:
Na noite morta
o latido de cães invisíveis.

Um milagre, dentre outros tantos:
uma nuvem, embora pequena e aerada
encobre a lua pesada e enorme.

Vários milagres num só:
uma bétula refletida n'água
invertida, da direita para a esquerda
cresce, com a copa de ponta-cabeça
e nunca toca o fundo
apesar de a água ser rasa.

Um milagre cotidiano:
ventos fracos a moderados
desabando em tempestades.

primeiro dentre os milagres do gênero:
que as vacas sejam vacas.

Secundário a nenhum outro:
simplesmente um pomar
de uma simples semente.

Um milagre sem capa nem cartola:
revoada de pombas brancas.

Um milagre, pois do que mais se poderia chamar:
hoje o sol despontou às três e catorze
e declinará às oito e um.

Um milagre, menos surpreendente do que deveria:
mesmo que a mão tenha menos de seis dedos,
ainda assim, tem mais que quatro.

Um milagre, apenas olhe ao redor:
O mundo está em toda a parte.

Um milagre adicional, como tudo é adicional:
o impensável
é pensável.

2 comentários:

  1. lindo poema da Szymborska só passando pra dizer um oi abraços Mi

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  2. lindo poemaaaaa Mi só passando para dar um oi e ver suas paixões bjocas

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