Un Giardin sul Balcon

"Non ghe xe erba che la varda in sù che non la gabbia la so virtù" (da tradição vêneta)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Portulacas de ver, Portulacas de comer

Minha querida colega de formação no ICIF, a Profa. Marina Sacoman, mandou-me por e-mail o seguinte questionamento de uma aluna: "você sabe me dizer se beldroega e onze horas são a mesma planta?" Como acredito ser esta uma questão de utilidade pública, posto aqui a resposta.

Ambas, beldroega (Portulaca oleracea) e onze-horas (Portulaca grandiflora), pertencem ao mesmo gênero, o gênero Portulaca, e à mesma família, as Portulacaceae, mas são espécies diferentes.

A primeira, na foto de cima, é a P.oleracea, comestível e muito encontrada por aí, nas calçadas e terrenos baldios das cidades.

A segunda, dá para ver bem que são espécies diferentes pelo formato das folhas, é a P.grandiflora, cultivada como forração florida, de fácil cultivo, muito comum em climas temperados como o nosso, no sul do Brasil. Não há relatos sobre sua toxicidade, mas tampouco de sua utilização culinária. Na linguagem das flores, o msn da rapaziada do séc XIX, significava "eu te amo". Como essa espécie não é de comer, eu não a tenho em meu jardim, peguei uma foto emprestada.

Existem, na família Portulacaceae, outras comestíveis, como a Claytonia perfoliata, conhecida nos EUA como beldroega-de-inverno ou miner's lettuce, e a Talinum paniculatum, ou Erva-Gorda ou João Gomes (de onde o povo tira esses nomes, eu me pergunto), capoeira das mais comuns, comestível e usada contra cansaço, escorbuto e tuberculose (pasmem!). Já consegui sementes da Claytonia. Assim que germinarem, mostrarei aqui.

Observem a delicadeza da flor da Talinum paniculatum, em inglês, chamada Jewel of Opar (Por causa de um romance de Edgar Burroughs, Tarzan and the jewels of Opar). Como é que pode em português ter uns nomes tão feios? Não sei o que é pior: João Gomes ou Erva-Gorda...

...e essa é a Claytonia perfoliata ou winter purslane ou portulaca-de-inverno ou, enigmaticamente, miner's lettuce (alface de mineiro), que tem flores e folhas comestíveis. Segundo o Ed Smith, o cara da Bíblia dos Jardineiros em Potes, essa espécie sobrevive a frios de -19C e não tem gosto tão bom no verão. Deve ser por isso que se chama "portulaca de inverno"...

Existe ainda a Portulaca mucronata, comestível também e ruderal no Rio Grande. Ela é muito parecida com a Portulaca oleracea, mas tem uns pelinhos (tricomas) que devem ser removidos antes do consumo. Um detalhe comum a todas as portulacas: a gente deve comer em saladas só as folhas menores, mais tenras e fresquinhas, nunca as murchas. Para quem tem problemas de pedras no rins, é bom não abusar no consumo. Já disse aqui que a P.oleracea é o vegetal mais rico em ômega3, uma gordura que faz bem para o cérebro. Então, gourmets amigos, às portulacas!

This post is about the differences between species of the same gender, Portulacaceae. P.grandiflora is rose moss, a little heliotropic flower, that blooms about eleven o'clock in Brazil and has no culinary value, but also no toxicity reported. P.oleracea is purslane, an European herb that has easily disseminated throughout Americas. It has a high nutritional value, as the biggest vegetal source of omega3 fatty acids, substances well known as beneficial to the brain. T.paniculatum, usually cultivated because of its delicate flowers, is also edible and has high levels of iron and magnesium. It can be eaten raw or cooked, in salads, cakes, rolls or stews. So does P. mucronata, but its hairy extremities should be removed before consuming. C.perfoliata, also known as miner's lettuce or winter purslane, has edible leaves and flowers, is a good container plant and endures temperatures as low as -29C. Its flavour peaks in cold seasons.

Antipasto di Pignoi

Sendo uma gimnosperma, a linda araucária (Araucaria angustifolia), símbolo da região sul do país, não tem frutos (do grego sperma = semente, gimno = nua). Assim, nosso amado pinhão, alimento que sinaliza a chegada do frio, é uma semente. Os verdadeiros especialistas em pinhão são os paranaenses, que fazem festivais em honra dele. Minha maneira preferida de consumí-lo é assim: primeiro, eu cozinho os pinhões com casca em abundante água salgada. Depois, descasco com o auxílio de um descascador de pinhões e os corto ao meio. Por fim, salteio os pinhões na manteiga com uma pitada de sal, pimenta preta moída na hora e tomilho. Sirvo quentíssimos, como antipasto, isto é, como entrada de um jantar. Esse preparo deve ser servido em pequena quantidade, senão os comensais se empolgam e não comem mais nada depois. Pinhão, como se diz por aqui, imbuga (empanturra). Que o diga meu ilustre leitor, o também blogueiro, Prof. Duílio...

Pinhões (singular: pinhão) are the seeds from Araucaria angustifolia, a pine tree which is emblematic to South Brazil, specially to the state of Paraná, where many food festivals are held in its honor. This is my favorite way to eat pinhões, perfect as an appetizer in autumn dinners. Cook pinhões in boiling salted water until they are al dente. Sauté the already peeled pinhões in butter, a pinch of salt, black ground pepper and thyme. Serve hot. 

quarta-feira, 27 de abril de 2011

terça-feira, 26 de abril de 2011

Slow Boia



A Zero Hora (jornal gaúcho) andou elogiando a Raabelândia, restaurante de beira de estrada em Pantano Grande, parada obrigatória de quem vai ao pampa (Bagé, Alegrete, Santana do Livramento e adjacências). Foi como elogiar jogador de futebol. Descontente com minha última experiência lá (perderam as estrelas no meu guia Michelin), resolvi parar num tal Restaurante da Fonte, perdido em algum lugar entre São Sepé e Cachoeira, só por causa da pérgola sombreada que eles fizeram para estacionar os carros. Grata surpresa, a começar pelos jardins comestíveis ao redor do lugar, no melhor estilo Rosalind Creasy: laranjeiras carregadas, flores de abóbora... Como o pessoal daquelas bandas diz, para comer lá não pode ser fresco: é comida caseira no más. O restaurante é feio como casa de tia-avó, com direito a parede verde, toalha de oleado laranja e samambaia. O garçon veio de boina Kangol e bota. Mas a boia... slow até não mais poder. Feijãozinho com toucinho, carne de panela e aipim em algum estado entre o sólido e o líquido... De sobremesa, adivinhem: só sagu. Pela janela, a delicadeza suprema do paisagismo gaudério: um crânio de boi enfiado num moirão da cerca. Um clássico, com certeza.


PS: Claro que esse pratão aí da foto não era o meu, né, era do Gusta, heheh.

Seriedade

Vejam só o que é um povo que se importa com o que come. A fachada da padaria de Rivera informa que os produtos não levam bromato em sua composição. O bromato de potássio é um agente potencialmente cancerígeno, que é usado como melhorador de farinha, isto é, como um facilitador da formação da rede de glúten. O resultado de tal prática inescrupulosa é que ocorre um grande sequestro de ar na rede e o pão fica grande aos olhos, mas oco em substância. É o legítimo caso "por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento..." Existem diversas alternativas ao bromato, que é proibido no Brasil e no Mercosul desde 2004. Fui correndo olhar o melhorador que tenho em casa. Ufa, era uma amilase de origem fúngica, autorizada pela Anvisa. Cuidado, gente da panificação! De olho nas letrinhas miúdas! Se alguém se interessar, esta é a resolução regulamentadora emitida pela Anvisa:

Faméia

Olhem só que lugar bonito para encontrar o sobrenome da gente: num presunto cru! Serrano, ainda. Coisa Boa. Poético, eh?

Mi, Esagerata? Maginarse!

Forse succede anche a voi, ma ogni volta che vedo tutto questo cibo, tutte queste scatoline e bottiglie insieme, cosi carine, mi batte forte il cuore...vedo...possibilità, vedo matite colorate da dipingere tante piatti... mi sento una bimba con il suo nuovo giocattolo.

Cramento! Me empolguei tanto que escrevi em italiano! Eu disse que me bate forte o coração quando vejo toda essa comida, essas caixinhas lindas, coloridas, parecem lápis de cor para desenhar e brincar...

Azeite (De Novo)

A aquisição mais significativa que fiz em Rivera foram os azeites.

Ainda é raro encontrar varietais em Porto Alegre e, na minha humilde opinião, é mais fácil harmonizar um azeite ao ingrediente principal quando a gente sente o gosto de um tipo de azeitona só.

Embora a gente se paute pela regra geral: gosto verde - alimento de gosto forte; gosto amarelo - alimento suave, muito é questão de paladar. Eu, por exemplo, prefiro azeites um pouco amargos, com gosto de...capim (que novidade!) A picual de Jaén, Andaluzia, é bem assim. Comprei logo um galão. A arbequina da Catalunha também é cultivada na Argentina e no Uruguay e eu já a conhecia do azeite Colinas de Garzón, que é um corte fantástico de arbequina (mais amanteigada, com um toquezinho picante) e coratina (um cultivar pugliese, bem encorpado). Comprei ainda um hojiblanca que não está na foto, esse de gosto bem verde, verdão.

Como eu uso esses azeites? Sobre um legume brevemente refogado, como alho-poró ou broccoli. Outra coisa boa e bonita são esses azeites aromatizados: um com trufa (pedacinho microscópico, mas tá valendo) e outro com cardamomo (ingrediente da categoria "bom até com terra") e peperoncini.

Por fim, um azeite D.O.P toscano (vamos ver se a Rosa Nepomuceno estava certa quanto à qualidade dos azeites dessa região) e azeitonas recheadas com amêndoas, um mimo uruguaio sem igual. Os gregos antigos é que sabiam das coisas: cozinhavam com azeite, bebiam azeite, iluminavam com azeite e tomavam banho de azeite...

Aula no icif

Meu mentor e amigo, o Chef Moisés Basso, me convidou para falar sobre ervas e especiarias aos alunos da XX Turma de Chef Básico da Escola de Gastronomia ICIF - UCS. Foi uma tarde maravilhosa, graças a uma educadíssima e compenetrada audiência. Passou tão ligeiro! Todos pareciam tão interessados quanto eu nas "n" variedades de manjericão, no momento certo de colher a sálvia, no emprego do orégano na pizza, no acondicionamento da páprica... (lata? saquinho?) Pasmem! Não faltaram debates calorosos! Aprendi a pronúncia correta de algumas palavras em húngaro, achei uma outra fã ardorosa da feijoa, um outro apreciador de pissacán...(!) Até foto pousando de celebridade eu tirei, heheh, essa eu confesso que me deixou meio sem jeito... Muito obrigada a todos! Sucesso para a XX Turma!

Coisas Boas

Só uma foto bonita, para abrir o apetite da gente... como se precisasse, né. Olhem só o orejón ali no cantinho. É o tal origone do pessoal do pampa.

Atendendo a pedidos, aqui está a torre de pomelo Paso de Los Toros que eu trouxe do Uruguay, só para a eventualidade de eu demorar muito a voltar ou para o caso de a Pepsico falir e não produzirem mais o pomelo... Gosto. Confesso. Detesto refri, mas abro exceção (honrosa) ao pomelo. Gosto tanto que fotografo cada garrafa que tomo. Taqui a prova, ó:



Esse eu tomei em 2009, na Fortaleza de Santa Teresa. Tava bom...geladinho, geladinho.


Os de 2010, que eu tomei em Rio Branco, não sobreviveram o suficiente para serem registrados. Tive receio de existir uma cota para a compra de pomelo... lembra, Gusta, o que eu falei? "Se a aduana implicar com os meus pomelos, eu sento aqui com eles, na beira da estrada, e tomo tudo de uma só vez!"


Quem inventou o Pomelo Paso de Los Toros foi o químico uruguaio (São)Rómulo Mangini, que queria agradar uns amigos ingleses que gostavam de tônica, mas não a encontravam por lá, em Paso de Los Toros. (Por sinal, Gusta, sabia que foi nesta cidade que nasceu o escritor Mario Benedetti? Lugarzinho legal esse, né?). Depois que o velhinho morreu, os herdeiros venderam a marca para a PepsiCo, que o produz até hoje, com o mesmo nome.


Claro que, sendo um refri, tem corantes, conservantes, espessantes, aromatizantes e muito açúcar. Mas tem também o suco do pomelo (Citrus maxima), que é uma fruta meio intragável no seu estado natural, até para quem curte coisas amargas como eu.


Não precisa demonizar nada. Nem todos os refris são péssimos, nem todas as granolas são do bem. O negócio é não massificar, não destruir pequenas e graciosas individualidades regionais como o refri de Paso de Los Toros ou a gasosa de abacaxi do meu nonno. Afinal, para que diabos a gente viaja se for tomar a mesma bebida aqui ou do outro lado da fronteira?

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Agraciada: Quesos

Como todo gourmet, sou fã do ratinho Remy, da animação Ratatouille. Acontece que, além de dividirmos a paixão pela cozinha, outra paixão nos é comum: os queijos. Quesos - como dizem os uruguaios. Meu ídolo se esbaldaria aqui, na Calle Agraciada, que é a rua paralela à Sarandí dos free shops, em Rivera. É uma queijaria atrás da outra.
Olhem, amigos gulosos do mundo inteiro, e suspirem diante de vitrines como essa:


O Uruguay tem uma Cooperativa de produtores de leite, a Conaprole, que produz a maioria dos queijos revendidos pelas queijarias, além do fantástico doce de leite, da manteiga e dos iogurtes, todos muito bons. Dessa vez, comprei cunhas de queijo tipo parmesão, tipo fontina, tipo emmenthal, tipo Gruyère e um pedaço de queijo parrillero, que é um tipo provolone temperado com chimichurry (uma mescla uruguaia de temperos picados), para derreter na grelha.


Aqui, o depósito da Queseria Le Carroussel. Os simpaticíssimos vendedores fizeram questão de que eu entrasse e tirasse fotos. Eles nem sabem o perigo que correram esses tranquilos queijinhos aí sentados...


Algumas observações sobre queijos: a gente deve dizer tipo..., porque não são produzidos lá na região de origem, que costuma ser na Europa. Portanto, a denominação de origem não se aplica aos feitos aqui com a receita de lá. Queijos, assim como vinhos, tem um terroir que se inicia com a própria alimentação das vacas, a raça delas, o jeito de fazer e toda a experiência (ou falta dela) do queijeiro. Houve uma experiência, na França, de automatizar a virada dos queijos, feita durante a maturação a fim de que eles sequem de maneira uniforme. Não deu certo, é claro, porque é necessário um discernimento humano treinado para saber quando o queijo deve ou não ser virado. Me disse o Guerra, dono da Queijaria Valbrenta, lá do Vale dos Vinhedos, que o filme plástico é o melhor amigo do queijo que a gente já tirou da embalagem original e está guardando na geladeira. Se mofar, é só dar uma lavadinha e uma escovadinha com água quente, tirar a camada mais superficial e... tá novo. Ah, um detalhe: essa película colorida que cobre os queijos não é de comer, hem.

sábado, 23 de abril de 2011

Confitería "City"








Visito Rivera desde pequena. Todas as vezes que vim, rendi homenagem aos doces uruguaios nesta instituição que é a Confitería City. Localizada bem no meio do percurso dos free shops, em pleno fervo da avenida Sarandi, ela fica no ponto exato em que a gente, cansado e cheio de sacolas, precisa sentar um pouco e fazer um lanche. Talvez por isso, nunca fique vazia e seu balcão de doces pareça sempre deficitário. A media-luna rellena de dulce de leche que a gente pede é sempre a última. O refrigerante de pomelo, que vinha uma vez em garrafas recicladas de mirinda, hoje vem na pet de 600, com rótulo próprio, mas continua a mistura perfeita de amarguinho e doce que tanto atiça o paladar. Passados dez anos da minha última visita, encontrei Rivera globalizada, abrasileirada, lotada e suja, tomada por franquias de artigos populares. Muito se perdeu do antigo charme, da recordação algo elitista da minha infância. A City, porém, estava lá: reformada, virou até o balcão de lado, mas ele continua exibindo os pomelos e massas rellenas de sempre. Que bom.

Parrillada







Não imaginem que, só porque cultivo um jardim, eu seja vegetariana. Não mesmo. Adoro vegetais e não resisto nem ao asado de tira, nem aos morrones (pimentões) que o acompanham. Já as morcelas (chorizos de sangre) e riñones (rins), eu deixo para os demais convivas. No dia a dia, acho que a gente deve comer menos carne e menos açúcar, tanto por razões de saúde quanto ecológicas. Mas o churrasco é um evento cultural para os gaúchos. No Uruguay, há, além da carne, o maravilhoso provolone parrillero, um queijinho temperado com orégano que vem derretido sobre a grelha que é trazida à mesa. Ensalada rusa e papas fritas acompanham. Esse foi nosso belo almoço de hoje, no tradicional Hotel Brasil Uruguay. Que lo disfruten - diz o garçon.

Rivera, Uruguay

















Rivera é a cidade uruguaia que se mistura a Santana do Livramento. Uma conurbação, para usar o termo técnico. Se conseguimos resistir ao canto hipnótico dos free shops, enxergamos as ruas arborizadas, as fileiras ininterruptas de casas baixas, coladas às calçadas amplas. Um quiosque vende de tudo, e tudo parece vencido e empoeirado desde sempre. A madeira entalhada de altíssimas portas abre-se, aqui e ali, para revelar antigos vestíbulos de ladrilho. Discretas placas de cobre anunciam profissionais liberais.

As pessoas se apegam à moda da década em que foram mais felizes. O mesmo deve valer para as cidades. Livramento ainda veste o art noveau. Rivera, o art deco. Linhas limpas, curvas simples, vazados. Houve amigos vestindo tweed nos cafés. Houve footings na avenida Sarandí. Houve música nos salões do Club Uruguay, e não era só cumbia. Décadas de ouro ecoam por toda Rivera, assim como persiste em nossas narinas, por alguns instantes, o perfume de uma bela pedestre que recém cruzou por nós...

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cidade em Cores, Cidade em Sépia



As fotos acima foram tiradas por mim, em Praga, na República Tcheca, em 2008. Agora, comparem com as fotos abaixo.















Quando pesquisei turismo em Santana do Livramento, nosso destino nessa páscoa, fiquei muito decepcionada. Só o que li foram anúncios de free shops. Ao me perder em suas ruas, hoje à tarde, procurando o Uruguay, recordei-me de Praga, incensado destino turístico do leste europeu.


As fotos que tirei, propositalmente em sépia para ressaltar a beleza das linhas e ocultar as feiúras de abandonos ou maus restauros, mostram alguns dos tesouros escondidos nas ruas desmazeladas dessa cidade. Berço de ilustres, como Flores da Cunha, Paixão Cortes, Carlos Urbim e Gaúcho da Fronteira, equidistante de Porto Alegre e Montevideo, Santana do Livramento é uma das cidades mais antigas do Rio Grande, desmembrada do Alegrete, apenas um ano depois da Independência do Brasil. O presidente americano F.Roosevelt chegou a desembarcar em sua estação férrea. Um sem-número de prédios art-noveau, restaurados ou não, remontam a dias muito prósperos, no início do século XX, quando a cidade viveu o auge da pecuária e abrigou lanifícios, frigoríficos e diversas agremiações (a maçonaria, fundada aqui em 1903, a sociedade italiana, em 1911).


Por inclemências históricas, Santana do Livramento entrou em decadência, junto com o resto da metade sul do Estado, e nos últimos dez anos, registrou uma perda de quase 10% da sua população. A simbólica avenida que separa e une Brasil e Uruguay se encontra tomada de lixo, mendigos e mercadores informais. As construções recentes tem um ar de improviso e aglomeração e as lojas de comércio popular tomaram quase todos os espaços centrais (uma curiosidade: como em nenhuma outra cidade gaúcha, avistam-se muitas mulheres muçulmanas pelas ruas, com seus véus). Do ponto de vista gastronômico, há carne de cordeiro de primeira qualidade, há a Vinícola Almadén, recentemente comprada pelo grupo Miolo, revendendo seus bons vinhos a preços irrisórios, há a proximidade com toda a manteiga, os queijos e o doce de leite uruguaios. Onde andam os políticos e burocratas do turismo, que não brindam Santana do Livramento com um projeto de revitalização urbanística? Provavelmente, passeando em Praga...

Arroz com Origone

Beatriz, essa é pra ti! Olha só o que eu achei numa churrascaria à beira da estrada em São Gabriel! Quando olhei esse prato, equilibrado entre os doces e as conservas salgadas, logo pensei: "Deve ser o tal do origone que a Bia perguntou. Estou perto do Alegrete e meu falecido Tio Antênio, que era dessas bandas, suspirava lembrando da iguaria". Perguntei ao garçon, que foi perguntar ao dono, que perguntou a cozinheira. Era. Ela comprou de uma senhora que passou por ali, vendendo. Browseando na net, descobri que origone é a passa do pêssego prensada e que é um costume mourisco, herança da colonização espanhola nas fronteiras gaúchas. O prato é um contorno para aves e, mais raramente, carne bovina. A receita é essa: Reidrata o origone em água fervente por uma hora. Guarda essa água. Pica as passas reconstituídas. Faz um caramelo com meia xícara ou menos de açúcar (depende do teu paladar para o doce), acrescenta com cuidado a água dos pêssegos, mistura bem, junta as passas e uns cravos da índia, deixa em fervura baixa por uns 15 minutos. Acrescenta o arroz, uma colher de sopa de manteiga sem sal, mais água, se for necessário e mais açúcar, se quiseres e termina o cozimento. Deixa repousar com a panela tampada por dez minutos antes de servir.


Agora, o origone mesmo não deve ser difícil de fazer, só chato, como secar pomodori. Origone vem de orejón, orelhão, em espanhol, pela semelhança de formato, creio eu. Claro que o melhor deve ser secar ao sol por uns dez dias, mas aí tem o problema da chuva, de tirar do sereno, de cuidar para não vir mosca... slow demais, até para mim. Tenta comprar uns pêssegos amarelos, na época, ali por novembro. Descasca, tira o caroço e põe as metades numa assadeira forrada com um silpat a cerca de 50, 70 graus, até secarem bem, virando a cada trinta minutos ou usando calor em cima e embaixo, se o teu forno tiver esse super-poder, como o meu. O segredo deve ser como o dos pomodori, calor baixinho e muuuito tempo, oito a dez horas. Haja gás,né? Ah, tem de guardar num pote de vidro, não em plástico.